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PUBLICIDADE COMPARATIVA, UMA VISÃO PANORÂMICA
O PRESENTE ESTUDO TRAZ UMA VISÃO PANORÂMICA DO TEMA
Acompanhando o mercado publicitário, observamos que é cada vez mais freqüente o interesse das empresas anunciantes lançarem mão da “publicidade comparativa” para apresentar seus produtos ao mercado. No mais das vezes, essa ferramenta mostra-se bastante interessante quando da apresentação de novos produtos ao público, pois o novo pode comparar-se com o que já existe e disponível ao consumidor, destacando as suas vantagens competitivas, seja técnica, seja de preço.

Como consequência dessa realidade, observamos, também, um maior número de conflito entre empresas envolvendo as marcas/produtos que foram objeto da publicidade comparativa e, também por isso, tem sido mais frequentes os questionamentos dos anunciantes sobre a viabilidade legal e ética dessa ferramenta de comunicação.

Oportuno destacar que no universo da publicidade, não há como se analisar qualquer matéria sem levar-se em consideração o que dispões o Código de Autorregulamentação Publicitária, editado pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária em 05 de maio de 1.980, e atualizado inúmeras vezes desde então. Trata-se de uma norma de caráter privado, sem dúvida, mas que por ser extremamente prestigiada pela indústria da comunicação, sobrepôs as fronteiras daquela entidade e tem, constantemente, sido usado como referência para a interpretação da legislação brasileira sobre a matéria e, até mesmo, para a elaboração de novas normas legais que tem por fim regular a publicidade no Brasil.

Assim, o estudo da matéria deve levar em consideração as normas legais vigentes e, também, o que dispõe o regulamento do CONAR a respeito do assunto.

Cumpre de imediato dizer que a legislação brasileira não veda expressamente a realização de publicidade comparativa, assim como não o faz o Código de Autorregulamentação Publicitária. Há, entretanto, limites (éticos e legais) para que essa modalidade de publicidade seja feita. É esse o objeto do presente trabalho.

Antes de passar à análise jurídica do tema, interessante precisar que “publicidade comparativa” é aquela que se faz entre dois ou mais produtos concorrentes, com objetivo de destacar as características do produto anunciado em face de seus concorrentes. O Dicionário de Termos de Marketing trata a matéria da seguinte forma:

Propaganda comparada: Propaganda que faz comparações diretas do produto que está sendo promovido com seus similares.

Propaganda comparativa: Propaganda que procura estabelecer a superioridade de uma marca através da comparação específica com uma ou mais marcas de uma classe de produtos.

J. B. Pinho, por sua fez, em sua obra “Comunicação em marketing: princípios da comunicação mercadológica” nos oferece a seguinte reflexão:

Publicidade comparativa – tema bastante controverso. Na publicidade comparativa são feitas alusões aos produtos e serviços dos concorrentes, pois “o anunciante contrapõe a sua própria oferta à oferta da concorrência. Com o objetivo de demonstrar a inferioridade das mercadorias alheias em relação às suas próprias, o anunciante esforça-se para mostrar as diferenças existentes entre os seus produtos e os da concorrência: ao ressaltar que as qualidades dos seus são superiores às dos produtos alheios acaba pondo em evidência os defeitos dos artigos oferecidos pelo competidor.” A comparação pode se dar a nível dos preços, da qualidade ou de determinadas características dos produtos comparados.

Como se verá a seguir, à luz dos estudos que realizamos sobre o tema, muito embora inexista impedimento normativo para a publicidade comparativa, tem-se que a sua realização, na prática, tem sido interpretada de forma controvertida pelo Judiciário, na medida em que, para alguns, a sua realização se mostra incompatível com a proteção às marcas e à leal concorrência entre as empresas.

A publicidade comparativa segundo o Código de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).

A fim de regulamentar a publicidade comparativa, o CONAR estabeleceu como referência ao mercado as seguintes normas, contidas no Código de Autorregulamentação Publicitária:

Artigo 32

Tendo em vista as modernas tendências mundiais – e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial –, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites:

a. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;

b. tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor;

c. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;

d. em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;

e. não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;

f. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa;

g. não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros;

h.e quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.

Portanto, quando da formulação da mensagem publicitária, o maior objetivo desta deve ser esclarecer ao consumidor sobre os produtos que existem no mercado e as características de cada um deles.

A comparação entre produtos deve ser realizada segundo critérios objetivos e que possam ser comprovados a qualquer tempo, devendo-se evitar dizer que um produto, por exemplo, “é mais gostoso” do que o outro. Entende-se autorizado, todavia, expressar que um produto é mais nutritivo do que o outro, já que o teor nutritivo dos produtos poderá ser demonstrado segundo critérios técnicos respeitáveis.

Ademais, somente deve-se fazer comparação entre produtos efetivamente concorrentes, ou seja, que pertençam a uma mesma categoria, inclusive no que se refere ao nível de preço praticado no mercado. Assim, ao comparar duas marcas de ração para cães, por exemplo, há que se observar se são destinadas para animais do mesmo porte/raça e se os preços são da mesma faixa (o que também determina a categoria a que pertence um determinado produto).

Com relação à preservação da imagem e da marca do produto concorrente, importante considerar que qualquer referência ao produto objeto da comparação deve ser feita de forma respeitosa e na exata necessidade de possibilitar ao público a sua identificação. Ou seja, basta que o público entenda que se está comparando os produtos “a” e “b” e que um deles saiu-se melhor nos testes de qualidade nutricional, por exemplo, devendo-se evitar, sempre, o uso de expressões caricatas acerca dos produtos comparados.

Nesse sentido, não é demais recomendar que não seja utilizada a logomarca do produto concorrente, mas tão somente a sua marca nominativa (ou seja, a palavra e não os elementos figurativos da marca). Com isso, estaria minimizado o risco de alegações no sentido de que há violação de marca alheia (uso indevido de marca por alguém que não o seu proprietário).

A fim de ilustrar o entendimento do órgão regulamentador sobre o tema, apresentam-se, a seguir, dois julgados bastante recentes de seu Conselho de Ética:

“Clio. O popular que todo popular gostaria de ser"

Representação nº 225/10

Autora: General Motors do Brasil

Anunciante: Renault do Brasil

Relator: Conselheiro Martino Bagini

Segunda Câmara

Decisão: Sustação

Fundamento: Artigos 32, 43 e 50, letra “c” do Código

A General Motors questiona ação de marketing da Renault. Segundo a denúncia, a ação deprecia seus méritos, comparando produtos similares com base em dados de fundo psicológico ou emocional. Alega também que a concorrente não respeitou seu direito de marca, deixando a logomarca da GM e o modelo de seu veículo aparentes nos carros que foram “encapuzados”, sem contar com a devida autorização.

A Renault esclareceu que sua ação, realizada em diversos pontos de São Paulo e de outras cidades brasileiras, utilizou veículos similares de diversas marcas (não só da GM), com preços equivalentes e que concorrem na mesma categoria, ou seja, trata-se de produtos passíveis de comparação.

Argumenta ainda que não são feitas afirmações infundadas, uma vez que os carros aparecem “vestidos” de Clio, reforçando o conceito da campanha “... o carro popular que todo popular gostaria de ser”, sem dizer, no entanto, que Clio é melhor que os outros.

Para o relator, a ação é irregular, uma vez que não respeita, como se exige em campanhas comparativas, os princípios da objetividade, sendo calcada em elementos de fundo psicológico ou emocional. Seu voto pela sustação da ação foi acatado por unanimidade pelos conselheiros reunidos na Segunda Câmara.

“Maresis – Começa agora uma nova era em alívio nasal”

Representação nº 170/10, em recurso ordinário

Autora: Hypermarcas

Anunciante: Farmoquímica

Relatores: Conselheiros Arthur Amorim e Priscila Cruz (voto vencedor)

Primeira Câmara e Câmara Especial de Recursos

Decisão: Alteração

Fundamento: Artigos 4º, 32, letras “b” e “f”, 43 e 50, letra “b” do Código

A Hypermarcas denuncia anúncio veiculado em revista pela Farmoquímica, reclamando do fato de a empresa utilizar, sem autorização, diversas embalagens de produtos concorrentes, com destaque para seu produto, Rinosoro. Considera ainda agravante o fato de tais produtos serem retratados como dinossauros, sugerindo que são obsoletos e ultrapassados.

O relator concedeu medida liminar para sustar a veiculação e, ao analisar o assunto, o Conselho de Ética confirmou a decisão, entendendo que a publicidade denigre a imagem do produto da Hypermarcas, como argumentou o relator em seu voto.

A Farmoquímica recorreu da decisão, alegando que houve perda de objeto, já que o anúncio deixou de ser veiculado após a sustação determinada pelo Conar. Reitera ainda que não teve a intenção de denegrir a imagem do concorrente, e sim apresentar esclarecimento sobre as propriedades de seus produtos.

Por maioria, a Câmara Especial de Recursos, acolhendo o parecer do voto vencedor, acordou pela alteração do anúncio, do qual deve ser excluída qualquer alusão a embalagens de produtos concorrentes.

A publicidade comparativa segundo o Código de Defesa do Consumidor

O Código de Direito do Consumidor, não faz referências expressas a essa modalidade de oferta de produtos e serviços ao mercado, mas em seu artigo 37, ao dispor sobre publicidade abusiva e enganosa, destaca com relação a essa última, que será enganosa a publicidade que levar o consumidor a um entendimento equivocado acerca dos produtos e serviços anunciados.

Logo, aplicando-se os dizeres dessa legislação à prática da publicidade comparativa, devemos considera que, se feita de forma a ludibriar o mercado consumidor, deverá ser considerada ilícita. Vejamos o texto:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(...)

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço

Sendo assim, a comparação entre dois ou mais produtos concorrentes deverá ser feita, sempre, de forma honesta, verdadeira, considerando-se as reais características do produto. Ademais, devem ser comparados produtos de natureza semelhante, de uma mesma categoria, faixa de preço, sob pena de, na prática, estar-se comparando produtos que, na realidade, não são propriamente concorrentes.

Como se vê, valem aqui, em linhas gerais, as mesmas recomendações feitas com base nas normas contidas no Código de Autorregulamentação Publicitária (item precedente).

A publicidade comparativa e o direito marcário (proteção à marca).

Ao conceder proteção jurídica a uma marca, o direito atribui ao seu titular a prerrogativa de usá-la com exclusividade, cabendo, então, a ele, o direito e o dever de usar e proteger a marca do uso indevido por terceiros. Nesse sentido, convém destacar que a Lei de Propriedade Industrial atribui aos detentores das marcas, os direitos expressos nos artigos 129 a 132. Vejamos o texto:

CAPÍTULO IV

DOS DIREITOS SOBRE A MARCA

Seção I

Aquisição

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

§ 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.

Seção II

Da Proteção Conferida Pelo Registro

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

I - ceder seu registro ou pedido de registro;

II - licenciar seu uso;

III - zelar pela sua integridade material ou reputação.

Art. 131. A proteção de que trata esta Lei abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular.

Art. 132. O titular da marca não poderá:

I - impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;

II - impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;

III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e

IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.

Assim, ao titular da marca é conferido o direito de utilizar, com exclusividade, aquele sinal distintivo pelo prazo de 10 anos (art. 133 da LPI), período em que caberá ao mesmo o direito de impedir que qualquer outra pessoa (jurídica ou natural) dele faça uso, cabendo-lhe também, cuidar para que aquela marca seja sempre uma referência positiva do produto ou serviço por ela distinguido (art. 130, III).

A proteção jurídica conferida às marcas, entretanto, não é absoluta e, por isso, o titular de uma marca deve permitir, por exemplo, que a mesma seja utilizada por aqueles que a comercializam em seus materiais publicitários e promocionais, assim como lhe é vedado pela legislação, impedir que os fabricantes de acessórios informem que aqueles são compatíveis com o produto da marca protegida. Também não se permite ao titular da marca, “impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno” ou a “citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para o seu caráter distintivo” (art. 132, III e IV da LPI).

Portanto, observando-se os dispositivos legais, tem-se que ao titular da marca não é permitido impedir que aqueles que comercializem os seus respectivos produtos informem em seus clientes, seja nos letreiros do ponto de venda, sendo em materiais que distribuam ao mercado ou em qualquer tipo de peça publicitária, as marcas dos produtos comercializados.

Situação distinta e que merece ser analisada, entretanto, é aquela em que a marca de um produto é utilizada na publicidade de produtos concorrentes, fato recorrente e necessário quando se realiza publicidade comparativa.

Há duas correntes dominantes sobre o tema. Uma delas no sentido de que a comparação entre marcas é algo benéfico para o mercado, pois incentiva a competição entre empresas concorrentes e, ao mesmo tempo, esclarece ao consumidor sobre as opções existentes no mercado. Assim, a fim de compatibilizar a co-existência das normas jurídicas de proteção às marcas, à concorrência e a defesa do consumidor, seria justo limitar o direito de exclusivo relativo às marcas, permitindo-se a citação destas por seus concorrentes, quando da realização de publicidade comparativa.

Nesse sentido, segue manifestação interessante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

EMENTA - ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA - COMINATÓRIA C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - Improcedência - Citação da marca Seretide em encarte publicitário farmacêutico dirigido à classe médica - Conduta da ré que não pode ser traduzida como uso indevido de marca ou prática de concorrência desleal - Inexistência de afronta ao artigo 132, IV, da Lei 9.279/96 - Propaganda comparativa que vem sendo utilizada em larga escala e que não traz prejuízos à concorrente - Instrumento a favor do consumidor e que, no caso dos autos, não denegriu a imagem da autora (mera comparação de medicamentos, sem qualquer conotação depreciativa) - Prática reiteradamente aceita pelo CONAR e que não gera confusão perante os consumidores ou até mesmo perante a classe médica - Ausência de abuso ou conduta antiética - Precedentes (inclusive desta Câmara) - Honorários advocatícios que devem ser fixados de forma equitativa, na forma do que dispõe o art. 20, § 4o, do CPC, e não com base no § 3o ou nos limites percentuais ali previstos - Sentença reformada apenas neste particular – Recurso parcialmente provido.

(Apelação Cível n°: 284.489.4/8-00, 8a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo)

Em outro julgado, de fevereiro de 2010, o Tribunal paulista reafirma a viabilidade da publicidade comparativa, e alerta para a necessária observância do direito concorrencial. Segue a manifestação da Corte:

Teste das cervejas - Campanha publicitária – Teste cego - Propaganda comparativa - Livre concorrência - Ausência dos requisitos para concessão de antecipação de tutela para impedir a ré agravante de veicular propaganda de seu produto, ainda que o compare com produtos das autoras agravadas - Necessidade de comprovação concreta de prática de concorrência desleal - Perigo da demora inverso - Recurso provido.

(Agravo de Instrumento na 994.09.279145-7, 38 Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo)

De outro lado, há uma corrente mais formalista e que sustenta que o uso exclusivo é um direito intocável do detentor da marca e, por isso, a sua simples citação por uma empresa concorrente significaria violação aos dispositivos da Lei de Propriedade Industrial.

A mesma corrente entende que quando há uma publicidade comparativa, a marca que a realiza pretende, necessariamente, promover o seu produto apontando deficiências de seu concorrente. Assim, como resultado dessa estratégia, seria impossível que do discurso publicitário não se obtivesse um resultado negativo para a reputação, imagem e credibilidade do produto comparado. Logo, os danos a esse produto seriam evidentes.

Um último argumento utilizado aos partidários dessa corrente é no sentido de que muitas vezes a publicidade comparativa é também “parasitária”. Afirmam que o anunciante que se propõe a comparar o seu produto com o de um determinado concorrente, vale-se do prestígio deste último para posicionar-se perante o mercado, o que se faz ao colocar-se em patamar equivalente ou superior ao produto/marca eleita como parâmetro de comparação, prática esta que, aos olhos dessa corrente, caracterizaria violação ao que dispõe a legislação concorrencial vigente.

Neste sentido, segue julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (de 2004), que ilustra bem o entendimento dessa segunda corrente.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA FAMOSA E UTILIZADA INDEVIDAMENTE POR CONCORRENTE, COM OBJETIVO DE CONFUNDIR O CONSUMIDOR E LOCUPLETAR-SE. FATO QUE NÃO CARACTERIZA PROPAGANDA COMPARATIVA. CONCORRÊNCIA DESLEAL E PROPAGANDA ENGANOSA. VEDAÇÃO DA LEI 9.279/1996. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

O autor é proprietário da marca KWELL e alega que o réu utiliza em seu material publicitário, as expressões KWEEL e KWEEL, com o objetivo de confundir o consumidor e se valer da marca autora, enormemente conhecida.

Analisando os autos, fica claro que o réu não faz propaganda comparativa, como alegado. Tenta induzir a erro o consumidor, se utilizando, indevidamente, de marca conhecida. O réu não tem autorização para a utilização da marca, devendo responder pelo seu ato inconsequente.

O autor tem exclusividade de utilização da marca KWEEL, nos termos dos artigos 129 e 130 da lei 9.279/96.

Ficou robustamente comprovada a propaganda enganosa e caracterizada a concorrência desleal, o que é vedado em lei.

O artigo 313, da lei 9.279/1996, reza:

“A proteção de que trata esta lei abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”.

Obviamente, o réu, ao utilizar a marca KWEEL, confunde o consumidor, ferindo o direito garantido pela lei de propriedade industrial.

Até mesmo no caso de fazer propaganda comparativa, deveria o réu ter autorização do autor. Não foi demonstrado pelo réu ter tal autorização.

Por conta de tais considerações, nego provimento ao recurso e mantenho, na íntegra, a r. sentença monocrática, que na forma regimental, é adotada como fundamentação adicional.”

(Apelação cível 2003.001.21505, 8a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Cumpre anotar, finalmente, que a jurisprudência sobre a matéria ainda não está consolidada, havendo bastante divergência no entendimento da licitude da publicidade comparativa, especialmente quando levado ao judiciário o argumento de violação da Lei de Propriedade Industrial (violação de marca).

De toda sorte, pesquisas realizadas para a elaboração do presente estudo revelaram que as comparações feitas dentro dos limites aqui destacados tem sido positivamente vistas pelo Poder Judiciário que, na maioria dos casos, entende que a competição e a comparação entre os produtos é benéfica para o consumidor e para o aperfeiçoamento dos produtos colocados no mercado, correspondendo, então, a um instrumento fortalecedor da boa concorrência e do desenvolvimento.

Esse é o entendimento dominante no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

É de se destacar, entretanto, que a linha entre o que se entende por admissível e por ilícito é bastante tênue e, muitas vezes, o entendimento do Judiciário traz consigo a subjetividade do julgador diante do caso concreto, razão pela qual apresentaremos para análise, a seguir, alguns casos reais, por meio dos quais ilustramos as particularidades encontradas no estudo jurisprudencial da matéria.

Outro fator importante a ser considerado é que muitas vezes a publicidade comparativa realizada e analisada nos julgados que ora apresentando, estavam, em princípio, dentro do que determinam as normas. O problema se deu quando da formulação das peças publicitárias, ou seja, ao fazer a comunicação dos testes comparativos, por exemplo, os anunciantes se valeram de recursos discursivos ou gráficos que acabaram por configurar, aos olhos do Judiciário, um abuso do direito de comparar.

À luz de todo o exposto, entendemos que a realização de publicidade comparativa no Brasil é legal e eticamente viável, devendo-se, no entanto, tomar todo o cuidado para que comparação seja sempre feita de forma objetiva e na medida da necessidade de se apresentar ao consumidor quais são opções disponíveis no mercado.

Assim, deve-se ter em mente que a comparação se realiza, sempre, a fim de esclarecer o consumidor e nunca com o objetivo de denegrir as marcas, produtos ou empresas concorrentes, as quais devem ser sempre tratadas com lealdade e boa-fé, observando-se, ainda, o direito de concorrência.

Cumpre informar, finalmente, que foram pesquisadas para a elaboração deste trabalho decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.